Encontrei no blogue para mim tanto faz um link para uma entrevista dada, a José Miguel Sardo do DN, por Paul Moreira sobre os novos tipos de censura que passo a transcrever.
Qual é afinal a "nova censura" de que fala no seu livro?
A censura, como a conhecíamos no passado, desapareceu. A censura brutal, se ainda existe, acaba sempre por ser contraproducente, porque hoje tudo acaba por ser divulgado, mas não se imprime na memória, e é exactamente aí que vai incidir o controlo da informação, no controlo da memória. Todo o trabalho dos gabinetes de relações públicas, dos conselheiros de comunicação, é um trabalho de gestão do que vai ficar retido na memória, e de gestão da emoção pública, porque sabemos que o mundo muda cada vez que a emoção pública ultrapassa um certo nível.
Como é que jornalismo pode combater esta tendência?
O jornalismo é uma ferramenta para confirmar a veracidade do espectáculo que nos é apresentado, seja a reputação ou a imagem de uma empresa, de uma instituição ou de um homem político. O jornalista faz a diferença de cada vez que cria emoção pública através de um bom trabalho de investigação apoiado por uma sociedade civil eficaz. Penso, por exemplo, na investigação que fizemos sobre as patentes dos medicamentos genéricos no tratamento da sida em África, fizemos uma grande reportagem sobre o tema depois da organização Médicos sem Fronteiras ter tentado, em vão, atrair a atenção de vários jornais. A organização fez uma campanha fantástica, mas os laboratórios não cederam porque gerem a imagem em permanência e pagam caro por esse trabalho.
Esteve por várias vezes no Iraque em reportagem. Como funcionava a máquina de gestão mediática sobre o terreno?
Antes de mais, era difícil conseguir contar o outro lado da guerra. Só podíamos fazer reportagens 'incorporados' no exército americano, eram eles que nos levavam a todo o lado, ou seja, víamos apenas uma parte da realidade. Este método foi inventado por Jerry Bruckheimer, um grande produtor de cinema norte-americano, o produtor do filme A queda do falcão negro. Ele é o grande teórico do embedment, que permite criar uma empatia entre os soldados e o público norte-americano através dos jornalistas. A partir do momento em que o jornalista vive ao lado do soldado norte-americano passa a ver a guerra através dos olhos do militar, quando tem um problema o militar protege-o e o jornalista acaba por aderir à causa com toda a naturalidade.
E quando pôde passar para "o outro lado", o que é que constatou?
Estive em 2004 com o exército do Medi, xiita, que estava em guerra contra o exército norte-americano. Quando se acompanha o dia-a-dia desta gente acabamos por lhes dar alguma razão. Dissimulam bombas na estrada para defender o bairro, não têm por objectivo visar civis, como por exemplo a Al-Qaeda. No documentário que fizemos descobrimos que os norte-americanos tinham incorporado uma milícia xiita no exército porque não sabiam o que fazer para combater a resistência sunita e aí apercebemo-nos da tentativa de manipulação dos conflitos.
E como se explica que os jornalistas sejam levados a acreditar, por exemplo, nas supostas armas de destruição em massa iraquianas, que afinal nunca existiram?
Pelos métodos de pressão utilizados por Washington... O sistema de manipulação dos jornalistas, neste caso, foi similar ao que foi posto em prática pelo presidente Ronald Reagan durante os conflitos na Nicarágua ou no Paraguai com a criação de uma célula de desinformação, que repete sempre as mesmas informações. Washington aproveitou-se de uma empatia com o público depois dos atentados de 11 de Setembro e da vitória dos conservadores e utilizou-se da cumplicidade de fontes próximas do Pentágono e de certos jornalistas, como Judith Miller do New York Times, que acabou mais tarde por ter que apresentar demissão.
A história pode repetir-se, face à suposta ameaça nuclear do Irão?
A imprensa é trabalhada de forma muito eficaz por Washington, que nos repete que a bomba atómica iraniana poderá estar quase pronta. O Iraque é controlado de facto pelo exército iraniano que mantém como reféns 140 mil militares norte-americanos e é isto o que está verdadeiramente em jogo. As ameaças servem apenas para tentar manter o Irão calmo.
No seu livro diz que 40% da informação publicada nos EUA provém de comunicados de imprensa...
Nos Estados Unidos existem uma série de pequenos jornais que não têm grandes meios e utilizam muitas informações vindas de agências de imprensa. Por exemplo, acompanhei a cobertura do lançamento do novo Airbus A-380 e a maioria dos periódicos falavam do champanhe servido a bordo, das salas, do conforto. Não falaram dos problemas: os atrasos nas encomendas, os problemas económicos, as indemnizações milionárias dos dirigentes. O trabalho dos gestores de imagem é colocar em evidência os aspectos positivos do avião, deixando na sombra os negativos.
Quem são afinal os Spin Doctors, os conselheiros de imagem?
São conselheiros em comunicação, são responsáveis de relações públicas, são pessoas que transmitem informações paralelas a dizer, por exemplo, que tal empresa ameaça suspender a publicidade no canal se tal reportagem for divulgada, como aconteceu comigo, e depois essa informação revelou-se falsa. Agem em situações como a que se passou na Costa do Marfim, quando em 2004 o exército francês disparou sobre uma manifestação de civis desarmados em Abidjan, nós difundimos as imagens que provavam o erro militar e o ministério da Defesa francês criou uma célula para contactar os jornalistas e dizer-lhes que a informação era falsa, que havia gente armada entre os manifestantes. O objectivo não era a ameaça, mas a intimidação, se você aceita, cala-se. Claro que nunca irão cair no erro de censurar a reportagem, porque sabem que o tema pode ter um impacto imediato, tudo funciona por meias-palavras.
Curioso é que no mesmo dia sai uma noticia sobre a velha censura praticada pela Lusa.
Qual é afinal a "nova censura" de que fala no seu livro?
A censura, como a conhecíamos no passado, desapareceu. A censura brutal, se ainda existe, acaba sempre por ser contraproducente, porque hoje tudo acaba por ser divulgado, mas não se imprime na memória, e é exactamente aí que vai incidir o controlo da informação, no controlo da memória. Todo o trabalho dos gabinetes de relações públicas, dos conselheiros de comunicação, é um trabalho de gestão do que vai ficar retido na memória, e de gestão da emoção pública, porque sabemos que o mundo muda cada vez que a emoção pública ultrapassa um certo nível.
Como é que jornalismo pode combater esta tendência?
O jornalismo é uma ferramenta para confirmar a veracidade do espectáculo que nos é apresentado, seja a reputação ou a imagem de uma empresa, de uma instituição ou de um homem político. O jornalista faz a diferença de cada vez que cria emoção pública através de um bom trabalho de investigação apoiado por uma sociedade civil eficaz. Penso, por exemplo, na investigação que fizemos sobre as patentes dos medicamentos genéricos no tratamento da sida em África, fizemos uma grande reportagem sobre o tema depois da organização Médicos sem Fronteiras ter tentado, em vão, atrair a atenção de vários jornais. A organização fez uma campanha fantástica, mas os laboratórios não cederam porque gerem a imagem em permanência e pagam caro por esse trabalho.
Esteve por várias vezes no Iraque em reportagem. Como funcionava a máquina de gestão mediática sobre o terreno?
Antes de mais, era difícil conseguir contar o outro lado da guerra. Só podíamos fazer reportagens 'incorporados' no exército americano, eram eles que nos levavam a todo o lado, ou seja, víamos apenas uma parte da realidade. Este método foi inventado por Jerry Bruckheimer, um grande produtor de cinema norte-americano, o produtor do filme A queda do falcão negro. Ele é o grande teórico do embedment, que permite criar uma empatia entre os soldados e o público norte-americano através dos jornalistas. A partir do momento em que o jornalista vive ao lado do soldado norte-americano passa a ver a guerra através dos olhos do militar, quando tem um problema o militar protege-o e o jornalista acaba por aderir à causa com toda a naturalidade.
E quando pôde passar para "o outro lado", o que é que constatou?
Estive em 2004 com o exército do Medi, xiita, que estava em guerra contra o exército norte-americano. Quando se acompanha o dia-a-dia desta gente acabamos por lhes dar alguma razão. Dissimulam bombas na estrada para defender o bairro, não têm por objectivo visar civis, como por exemplo a Al-Qaeda. No documentário que fizemos descobrimos que os norte-americanos tinham incorporado uma milícia xiita no exército porque não sabiam o que fazer para combater a resistência sunita e aí apercebemo-nos da tentativa de manipulação dos conflitos.
E como se explica que os jornalistas sejam levados a acreditar, por exemplo, nas supostas armas de destruição em massa iraquianas, que afinal nunca existiram?
Pelos métodos de pressão utilizados por Washington... O sistema de manipulação dos jornalistas, neste caso, foi similar ao que foi posto em prática pelo presidente Ronald Reagan durante os conflitos na Nicarágua ou no Paraguai com a criação de uma célula de desinformação, que repete sempre as mesmas informações. Washington aproveitou-se de uma empatia com o público depois dos atentados de 11 de Setembro e da vitória dos conservadores e utilizou-se da cumplicidade de fontes próximas do Pentágono e de certos jornalistas, como Judith Miller do New York Times, que acabou mais tarde por ter que apresentar demissão.
A história pode repetir-se, face à suposta ameaça nuclear do Irão?
A imprensa é trabalhada de forma muito eficaz por Washington, que nos repete que a bomba atómica iraniana poderá estar quase pronta. O Iraque é controlado de facto pelo exército iraniano que mantém como reféns 140 mil militares norte-americanos e é isto o que está verdadeiramente em jogo. As ameaças servem apenas para tentar manter o Irão calmo.
No seu livro diz que 40% da informação publicada nos EUA provém de comunicados de imprensa...
Nos Estados Unidos existem uma série de pequenos jornais que não têm grandes meios e utilizam muitas informações vindas de agências de imprensa. Por exemplo, acompanhei a cobertura do lançamento do novo Airbus A-380 e a maioria dos periódicos falavam do champanhe servido a bordo, das salas, do conforto. Não falaram dos problemas: os atrasos nas encomendas, os problemas económicos, as indemnizações milionárias dos dirigentes. O trabalho dos gestores de imagem é colocar em evidência os aspectos positivos do avião, deixando na sombra os negativos.
Quem são afinal os Spin Doctors, os conselheiros de imagem?
São conselheiros em comunicação, são responsáveis de relações públicas, são pessoas que transmitem informações paralelas a dizer, por exemplo, que tal empresa ameaça suspender a publicidade no canal se tal reportagem for divulgada, como aconteceu comigo, e depois essa informação revelou-se falsa. Agem em situações como a que se passou na Costa do Marfim, quando em 2004 o exército francês disparou sobre uma manifestação de civis desarmados em Abidjan, nós difundimos as imagens que provavam o erro militar e o ministério da Defesa francês criou uma célula para contactar os jornalistas e dizer-lhes que a informação era falsa, que havia gente armada entre os manifestantes. O objectivo não era a ameaça, mas a intimidação, se você aceita, cala-se. Claro que nunca irão cair no erro de censurar a reportagem, porque sabem que o tema pode ter um impacto imediato, tudo funciona por meias-palavras.
Curioso é que no mesmo dia sai uma noticia sobre a velha censura praticada pela Lusa.
Etiquetas: Ainda há-de vir a licença de isqueiro...
0 bitaite(s) sobre “A nova censura”