Porque estamos em semana de dérbi

O BENFICA por fernando alvim

Nunca sei como será ser de outro clube que não o Benfica e também não quero. É uma ignorância boa, esta, a de não querer saber, a de recusar logo à partida o conhecimento de algo que não nos importa. Só me interessa o Benfica, confesso, e logo à partida é fácil perceber pela fria análise morfológica do nome, que o clube que amo, é uma instuição que pratica o bem, que pede, rogando, para que fique: Bem! Fica! E o bem, como se ouvindo, fica mesmo, e com ele, como se uma mágica terra se elevasse, ficam não todos os benfiquistas, mas sim, todos os benfiquenses.

Existe um “ismo” no Benfica de uma magnitude rara, que não se confunde nem se imiscui com outros ismos mesquinhos que outrora serviram doutrinas, reformas várias e pessoas poderosas. O Benfiquismo é um “ismo” dos bons, que se impõe, precisamente, não se impondo, que se percebe justamente ao não se perceber, e que mesmo não se vendo, se sente e sofre como se de um amor carnal de tratasse.

Quando se grita pelo Benfica é como se gritássemos em tenra idade pela nossa mãe mesmo sabendo que está ali tão perto, pela libertina vontade de gritar pelo que nos pertence, para que saiba que não somos de nenhum outro, para que fique claro que lhe dedicamos a rouquidão que se esmorece na nossa voz.

Sou do Benfica desde que me lembro e não tenho memória curta. É nela que cabem mil imagens que correm de calções agora mesmo. Lembro-me do Néné, ali vai ele, do número 7, calções brancos, por vezes com risco ao meio, chuteiras novas, o filho bem comportado que qualquer mãe gostaria de ter tido. Do Carlos Manuel, dos livres do Carlos Manuel, da garra do Carlos Manuel quando pegava a bola a meio campo e durante metros a levava com ele, como se fosse um gigante, altíssimo, como se a levasse para casa, imponente, quebrando a barreira do som com a velocidade que lhe imprimia. E o inferno era aquilo, o inicio da corrida, a multidão a levantar-se, ninguém quieto por um instante que fosse “oh senhor, sente-se lá para eu ver”, todos a falar com as mãos, a dizer “passa a bola” e “vamos vamos” “ é agora, é agora” “ força, força” ao qual se seguia, não raras vezes, um ciclópico “aaaaahhhhhh” num imenso coro de vozes, invariavelmente seguido de palmas e um sincrónico bater de pé, ou em outros casos menos felizes, apenas um bater de pé e nomes impronunciáveis.

Acho que já disse que sou do Benfica e nunca é demais dizê-lo, como daquelas vezes em que não nos cansamos de dizer “amo-te” a uma pessoa, mesmo que esta já o saiba há muito. Porque nos dá gosto dizer “Benfica” como se fosse um “Amo-te” repetido até à exaustão. Porque ser do Benfica é dizer “Amo-te” muitas vezes. Porque é o amor que nos une e nos cega e nos faz dizer que não, não é penalty quando todos sabemos que foi, ali, à nossa frente, “com o diabo” dizemos, mesmo não o querendo admitir, “não é, não é” sabendo que estamos a mentir. Porque o amor vê mãos onde não existem, este amor de que vos falo e escrevo agora, vê faltas que nunca foram cometidas, foras de jogo, cartões que ficaram por mostrar, culpas que nunca a nossa, mas também vê o resto, os equipamentos, os jogadores a beijar a camisola como se fosse um país, o ritual da águia que dá a volta ao estádio em busca de novos perdedores, desculpem, predadores, ainda o estádio, o velho e o novo, o luxo das cadeiras de agora e o glória das outras, o Eusébio, o Chalana, o Diamantino, o Veloso e a luz intensa que nos olha a todos. A luz, estranha luz esta, o hino do piçarra, a vaidade com que o canta, as bandeiras a agitarem vitoriosas, os golos, aquele e mais o outro que ainda hoje recordamos, as jogadas sinfónicas, os maestros de então, os golos, chegar muito cedo para ficar horas seguidas a olhar o relvado, os golos, as horas que passamos a entoar cânticos, a discutir os jornais, a falar sobre o Benfica, a telefonar para os amigos de outros clubes para lhes fazer inveja com os nossos resultados, a esperar sempre, os golos, os 5 minutos à Benfica, este inferno bom, o nosso, igual a nenhum outro, este Benfica, este estado de alma, este amor rouco que não nos cansamos de repetir mil vezes.

http://esperobemquenao.blogspot.com/

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